sexta-feira, 7 de maio de 2010

A Rua do Sacrifício (When you left)


Ligeiramente suicidas, duas sombras desciam o asfalto da alameda. Pintaram a cidade de preto e de cinza. Como se cinza fosse cor e preto, apenas o aviso. Um carro queimava o chão, - e, por Deus, como sinto falta do asfalto! - um homem de cabelos sujos estralava os dedos, murmurando na sua poesia ininteligível. Seu nome perdera-se no fluxo inconstante de meus olhos desfeitos. Mil buracos de bala nos corpos das pobres moças na Rua do Sacrifício. As minhas balas de efusivas cores, agora descendo no sangue que banha os pés dele. Seu nome, na pétala do não-te-esqueças-de-mim, agonizando nas mãos. Ironia, o primeiro sintoma da decadência.
Há dois verbos na iminência de escaparem-me à boca. To hurt e to hunt. E uma das almas - pois a outra havia sumido - dizia:
- Não deve começar assim. O começo disso tudo foi quando eu gritei: Stop hurting me.
Ao passo que o homem lhe dizia com muita convicção:
- O começo disso tudo foi quando você gritou, apenas. Você nunca desejou um fim, minha cara. Quem tem a dor como melhor amiga, nunca deseja livrar-se dela.
Nas próximas linhas, a inocência assassina-me em dois atos:
- Se nem mesmo lembro-me do seu nome, é chegada a hora do segundo sinal. Por que está me perseguindo?
- Porque eu sou seu melhor amigo. E melhores amigos nunca abandonam uns aos outros.
Pense em uma taça de cristal. Pense em duas mãos finas e alvas. Pense na droga que já fez efeito demais. Agora, tenha em mente apenas a lembrança vaga de mais um crime disposto na minha voz:
- Lembra-se do cianureto? -Era eu. Sempre fui eu.
- I would never forget the cyanide.
- Você bebeu, não foi?
- Não, minha cara... Você bebeu.
Toda a escuridão das portas nos meus olhos de vidro quebrado. O asfalto me absorveu por direito. Do pó viemos, ao pó retornaremos. Dê-me as últimas gotas da sua poesia desgarrada. Hão de morrerem todas as flores, mas não a florescência. The blossom¹, dear, won't go away. Então, a alma da esquerda me reapareceu diante dos olhos. No final, foi apenas você quem partiu.
- Minha cara, nós somos as sombras esta noite. Você deveria saber, em todas as noites. Mas você também deveria saber que sombra com luz se apaga, mas trevas...
Um corpo no asfalto, descobrimos, então, quem está em perigo.
- ... Mas trevas com luz se propagam. Agora compreende o que acontece quando se brinca com coisas como... eu?
Sem jamais se esquecer das boas maneira, ele me deita no asfalto e eu fecho os olhos. O beijo não vem. As duas sombras descem a rua e perdem-se nos muros. E ele me diz as últimas notícias do dia:
- E você nunca cansará, sabe por que?
Toma-me da mão, quando nem mais tato tenho. Acovarda-se e enfia-me um anel no dedo. O mesmo anel que perdi. Dessa vez, espero que parta para nunca mais voltar.
- Because misery² is your best friend. And misery - as me - may like to play with toys - as you.

¹ Blossom: florescência, florescer. ² Misery: desfortúnio, dor.

(Créditos à Jéssica Pedrosa pelas falas do personagem masculino e ao próprio personagem masculino: uma paixão em duas vidas, do qual me apossei por hoje.)